Mesmo depois do túnel, o Curral das Freiras continua isolado. Falta polícia, falta uma escola secundária, falta uma nova ligação, falta trabalho.
É a maior freguesia de Câmara de Lobos, mas a única saída e entrada é para o Funchal. Isolada, a população convive com uma crescente criminalidade e reclama uma esquadra.
Uma esquadra de polícia e uma ligação à Boaventura. As reivindicações da população do Curral das Freiras são tão antigas como as "promessas" dos governantes, mas nem por isso têm esmorecido com o passar dos anos. Principalmente quando falamos da Polícia de Segurança Pública (PSP), já que a única 'autoridade' naquela freguesia, que pertence ao concelho de Câmara de Lobos mas só tem entrada pelo Funchal, é um posto da Polícia Florestal.
Não chega - nem pode chegar, dadas as competências desta força de segurança - para travar ou amedrontar a crescente vaga de assaltos que assola a freguesia e nada poupa.
Palheiro Camacho já ficou sem os coelhos que guardava no quintal. "Dessa vez roubaram cebolas também, e se tivesse a porta da cozinha aberta ainda levavam a panela para fazer um assado", ri, encostado a um bar junto da nova escola básica da freguesia.
A Luísa, 47 anos, uma vida atrás de um balcão, já levaram dinheiro, "pouco", um telemóvel e algumas jóias. "O pior foi o prejuízo de arranjar a porta partida do bar", lamenta, queixando-se da droga que prolifera, dos bares que, mesmo sem licença, fecham de madrugada, e das "corridas" nocturnas de automóveis.
Tudo porque a PSP não está presente para estes 1.600 habitantes - nas contas dos Censos de 2001 - e quando chega dá tempo para os "drogados" se esconderem. "Antes de eles entrarem no túnel, as pessoas cá em baixo já sabem que vem aí a polícia", diz outra mulher, explicando que as "pessoas da noite" comunicam por telefone a chegada do carro-patrulha.
Não quer revelar o rosto nem o nome, com medo de represálias, por isso vamos chamar-lhe Maria, que há muitas no Curral das Freiras, e vamos dar-lhe 39 anos e um casal de filhos, porque é essa a idade que tem e são essas as crianças que lhe chamam mãe. "No ano passado rebentaram com a porta do bar, reviraram isto tudo e foram embora", recorda. Ninguém viu nada. Ninguém fez nada. Aqui reina uma quase impunidade perante uma polícia que é ausente, se descontarmos as rondas diárias que faz.
"Se acontecer alguma coisa durante a noite, não há quem nos valha", acrescenta, num tom de voz que parece estar já quase conformado com a situação. "Mesmo assim, está melhor desde que o túnel abriu, trouxe mais vida". Agora quem fala é Martinho Figueira, 70 anos de vida, dividida pela freguesia que o viu nascer, pela França e pela Venezuela.
Começou por ser agricultor - "trabalho difícil, que os mais novos agora nem querem ouvir falar" -, depois fez-se pedreiro em Paris, à "sombra da Torre Eiffel", mas cansou-se, não se lembra bem porquê.
"Foi uma maluqueira na cabeça que me deu, e eu até estava lá bem", confidencia. Rumou para o outro lado do Atlântico e aterrou na Venezuela para uma vida dura de padeiro. "O bolívar estava forte, e foram bons anos", recorda, sentado na esplanada de um café à entrada da freguesia.
Acabou por voltar, também não se recorda porquê, e 'entretém-se' a ver os carros passar. "Eu preferia que o túnel acabasse mais em baixo, ainda falei com o 'doutor' Alberto João, mas ele disse-me que era muito dinheiro", diz, numa voz cansada, lamentando o facto do Curral das Freiras ter um único acesso. "É preciso mais uma estrada, mas não para Câmara de Lobos que só ia trazer ladrões", defende, apontando o dedo para cima, para lá da montanha onde está a Boaventura. "Dizem que não é muito caro, e ia fazer jeito", acrescenta numa voz cansada, que é cortada pelo roncar do motor de um autocarro que passa.
Deve ser o mesmo que Jessica apanha todos os dias da semana, para ir para a escola em Santo António. São 45 minutos para ir, 45 minutos para voltar. Hora e meia de curvas e contracurvas, porque na freguesia onde Jessica nasceu a escolaridade termina no ensino básico. A partir daí é preciso 'emigrar' para o Funchal, para continuar a estudar.
É isso que Jessica tem feito. Está no nono ano e ainda não sabe o que quer fazer 'quando for grande', sabe apenas que quer ficar por ali. "É um bom lugar para viver, é calmo, embora no Inverno faça muito frio", diz, arrancando gargalhas ao irmão, Canhas, que lamenta as poucas oportunidades de trabalho e o isolamento da freguesia.
"Não temos polícia, não temos estrada, não temos emprego". Tripla queixa, que ficaria satisfeita com a desejada ligação à Boaventura e pela construção de uma esquadra da PSP.
"Droga é o que não falta por aqui, mas lá trabalho nem vê-lo", acrescenta este operário de construção civil, que diz-se desmotivado com a agricultura. "Isso é só para comer, porque para vender não compensa", afirma.
Martinho Figueira, que continua sentado na esplanada à entrada da freguesia, concorda. "A gente gasta três sacas de guano para tirar duas sacas e meia de semilha. Acha que alguém vive disto?", pergunta, ajeitando o barrete de orelhas, que não esconde totalmente o cabelo cinzento claro.
"E mesmo que desse, que sobrasse alguma coisa depois deles roubarem, íamos vender a quem?", acrescenta, dizendo que uma polícia presente "dava jeito".
"Isso é que a gente precisa, para acabar com esta bandidagem".
Curral das Freiras: FreguesiaNão chega - nem pode chegar, dadas as competências desta força de segurança - para travar ou amedrontar a crescente vaga de assaltos que assola a freguesia e nada poupa.
Palheiro Camacho já ficou sem os coelhos que guardava no quintal. "Dessa vez roubaram cebolas também, e se tivesse a porta da cozinha aberta ainda levavam a panela para fazer um assado", ri, encostado a um bar junto da nova escola básica da freguesia.
A Luísa, 47 anos, uma vida atrás de um balcão, já levaram dinheiro, "pouco", um telemóvel e algumas jóias. "O pior foi o prejuízo de arranjar a porta partida do bar", lamenta, queixando-se da droga que prolifera, dos bares que, mesmo sem licença, fecham de madrugada, e das "corridas" nocturnas de automóveis.
Tudo porque a PSP não está presente para estes 1.600 habitantes - nas contas dos Censos de 2001 - e quando chega dá tempo para os "drogados" se esconderem. "Antes de eles entrarem no túnel, as pessoas cá em baixo já sabem que vem aí a polícia", diz outra mulher, explicando que as "pessoas da noite" comunicam por telefone a chegada do carro-patrulha.
Não quer revelar o rosto nem o nome, com medo de represálias, por isso vamos chamar-lhe Maria, que há muitas no Curral das Freiras, e vamos dar-lhe 39 anos e um casal de filhos, porque é essa a idade que tem e são essas as crianças que lhe chamam mãe. "No ano passado rebentaram com a porta do bar, reviraram isto tudo e foram embora", recorda. Ninguém viu nada. Ninguém fez nada. Aqui reina uma quase impunidade perante uma polícia que é ausente, se descontarmos as rondas diárias que faz.
"Se acontecer alguma coisa durante a noite, não há quem nos valha", acrescenta, num tom de voz que parece estar já quase conformado com a situação. "Mesmo assim, está melhor desde que o túnel abriu, trouxe mais vida". Agora quem fala é Martinho Figueira, 70 anos de vida, dividida pela freguesia que o viu nascer, pela França e pela Venezuela.
Começou por ser agricultor - "trabalho difícil, que os mais novos agora nem querem ouvir falar" -, depois fez-se pedreiro em Paris, à "sombra da Torre Eiffel", mas cansou-se, não se lembra bem porquê.
"Foi uma maluqueira na cabeça que me deu, e eu até estava lá bem", confidencia. Rumou para o outro lado do Atlântico e aterrou na Venezuela para uma vida dura de padeiro. "O bolívar estava forte, e foram bons anos", recorda, sentado na esplanada de um café à entrada da freguesia.
Acabou por voltar, também não se recorda porquê, e 'entretém-se' a ver os carros passar. "Eu preferia que o túnel acabasse mais em baixo, ainda falei com o 'doutor' Alberto João, mas ele disse-me que era muito dinheiro", diz, numa voz cansada, lamentando o facto do Curral das Freiras ter um único acesso. "É preciso mais uma estrada, mas não para Câmara de Lobos que só ia trazer ladrões", defende, apontando o dedo para cima, para lá da montanha onde está a Boaventura. "Dizem que não é muito caro, e ia fazer jeito", acrescenta numa voz cansada, que é cortada pelo roncar do motor de um autocarro que passa.
Deve ser o mesmo que Jessica apanha todos os dias da semana, para ir para a escola em Santo António. São 45 minutos para ir, 45 minutos para voltar. Hora e meia de curvas e contracurvas, porque na freguesia onde Jessica nasceu a escolaridade termina no ensino básico. A partir daí é preciso 'emigrar' para o Funchal, para continuar a estudar.
É isso que Jessica tem feito. Está no nono ano e ainda não sabe o que quer fazer 'quando for grande', sabe apenas que quer ficar por ali. "É um bom lugar para viver, é calmo, embora no Inverno faça muito frio", diz, arrancando gargalhas ao irmão, Canhas, que lamenta as poucas oportunidades de trabalho e o isolamento da freguesia.
"Não temos polícia, não temos estrada, não temos emprego". Tripla queixa, que ficaria satisfeita com a desejada ligação à Boaventura e pela construção de uma esquadra da PSP.
"Droga é o que não falta por aqui, mas lá trabalho nem vê-lo", acrescenta este operário de construção civil, que diz-se desmotivado com a agricultura. "Isso é só para comer, porque para vender não compensa", afirma.
Martinho Figueira, que continua sentado na esplanada à entrada da freguesia, concorda. "A gente gasta três sacas de guano para tirar duas sacas e meia de semilha. Acha que alguém vive disto?", pergunta, ajeitando o barrete de orelhas, que não esconde totalmente o cabelo cinzento claro.
"E mesmo que desse, que sobrasse alguma coisa depois deles roubarem, íamos vender a quem?", acrescenta, dizendo que uma polícia presente "dava jeito".
"Isso é que a gente precisa, para acabar com esta bandidagem".
É a maior freguesia do concelho de Câmara de Lobos, mas os 25 quilómetros quadrados do Curral das Freiras, são demasiado acidentados para existir uma agricultura sustentável. Fica a castanha, que serve de pretexto à festa anual de uma freguesia que, apesar do túnel ter encurtado distâncias, continua a sentir-se demasiado isolada.
No total são pouco mais de 1.600 habitantes que vivem desamparados sem uma esquadra de polícia que os proteja, sem uma escola secundária que evite as viagens longas dos filhos da terra, sem ligações que quebrem o isolamento. Ironicamente foi esse mesmo isolamento que baptizou a freguesia quando, em meados do século XV, segundo alguns historiadores, ou século XVI, de acordo com outros autores, as religiosas do convento de Santa Clara refugiaram-se no Curral das Freiras durante o saque dos corsários franceses à cidade do Funchal. Ficou o isolamento, mas perdeu-se a segurança, que hoje tanto aflige a população.
De resto, com excepção da já falada escola secundária, e do facto de existir uma única caixa 'multibanco' na vila, a maioria dos habitantes gosta de lá viver. Existe uma farmácia, segurança social, centro de saúde, uma secção dos Bombeiros Voluntários de Câmara de Lobos e a casa do povo, que tenta dinamizar uma população que, tal como na maioria das freguesias madeirenses, tende para o envelhecimento.
No total são pouco mais de 1.600 habitantes que vivem desamparados sem uma esquadra de polícia que os proteja, sem uma escola secundária que evite as viagens longas dos filhos da terra, sem ligações que quebrem o isolamento. Ironicamente foi esse mesmo isolamento que baptizou a freguesia quando, em meados do século XV, segundo alguns historiadores, ou século XVI, de acordo com outros autores, as religiosas do convento de Santa Clara refugiaram-se no Curral das Freiras durante o saque dos corsários franceses à cidade do Funchal. Ficou o isolamento, mas perdeu-se a segurança, que hoje tanto aflige a população.
De resto, com excepção da já falada escola secundária, e do facto de existir uma única caixa 'multibanco' na vila, a maioria dos habitantes gosta de lá viver. Existe uma farmácia, segurança social, centro de saúde, uma secção dos Bombeiros Voluntários de Câmara de Lobos e a casa do povo, que tenta dinamizar uma população que, tal como na maioria das freguesias madeirenses, tende para o envelhecimento.
Márcio Berenguer
Com a devida vénia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário